terça-feira, 7 de setembro de 2010

O "ficar" pode ser uma indicação de dificuldade em lidar com rejeição


Muitos jovens são adeptos do “ficar” e, claro, jamais assumem relações sérias. Mas a busca desmedida dos prazeres imediatos, é preciso destacar, pode camuflar tanto insegurança quanto medos e conflitos internos mal resolvidos. O preço que pagam por esse comportamento impetuoso é que fazem escolhas afetivas erradas e vivem relacionamentos superficiais e insatisfatórios.


Foi-se o tempo em que os namorados dançavam música lenta. Nos dias atuais, o ritmo foi substituído pela acelerada batida tecno. Dessa forma, o toque suave na cintura foi trocado pelas "bundadas" do funk. Igual ao compasso da música, os jovens estão apressados e envolvidos em relações sem compromisso. Por trás desse comportamento, pode estar a recusa em aceitar a própria incapacidade de lidar com a solidão, além do medo da rejeição e insegurança. A pior conseqüência de viver dessa maneira é fazer escolhas afetivas erradas e se acostumar com uma vida de misérias emocionais.

Os solteiros em geral parecem estar alérgicos às frustrações e tristezas e não percebem a importância dessas emoções para refinar a personalidade. Assim, insistem em fugir desse desafio e se habituam a viver relações superficiais. O resultado é uma busca desenfreada da satisfação imediata a qualquer preço.

Resta perguntar: o que sobra em termos de afeto do que eles chamam "ficar"? Nada. São dois corpos e nenhuma intimidade. Relação afetiva saudável pressupõe enxergar, sentir, ouvir e processar o mundo interior do outro. Viver relações superficiais é uma armadilha e uma pseudofelicidade. Passado o efeito do uísque com energético e dos beijos descompromissados, os "ficantes" alugam os ouvidos de um amigo e reclamam de solidão, do descaso e da rejeição. Outros até têm uma pessoa fixa com quem se relacionam, mas parecem viciados em enxergar só o lado negativo do namoro estável.

Para esses, a relação afetiva é igual a um bolo. Só querem comer o recheio, ou seja, a parte boa, mas se esquecem dos outros ingredientes essenciais. Antes de assar havia farinha seca, ovo cru e gordura pura. Somente após passar pelo árduo calor do fogo, o bolo está pronto para ser consumido. O difícil é aceitar que nem a vida nem os bolos têm só os ingredientes preferidos. E isso não torna o caminho menos divertido, e sim mais desafiador.

Enquanto a pessoa viver a vida como se tudo fosse descartável, irá desconhecer o prazer de dormir abraçadinho e roçar os pés sob as cobertas. Em outras palavras, a troca de cumplicidade, o cafuné e o carinho. E assim perde a chance de descobrir o significado do amor.

Ser livre não é beijar na boca e não ser de ninguém. É ter coragem, ser autêntico e se permitir viver os sentimentos. Implica arriscar-se, pagar para ver e correr atrás da felicidade. Doar e receber. É compartilhar momentos de alegria e tirar proveito até das coisas ruins.

É claro que isso tudo demanda esforço. Para amar e ser amado é necessário o reconhecimento das diferenças, pois aquele que lidar melhor com as imperfeições do outro é o que sabe administrar as próprias limitações.

Não vale a pena procurar o amor em qualquer lugar ou pessoa. Isso não é compensador. Não adianta esconder-se atrás dos medos, pois nem sempre amar significa sofrer. Envolver-se com alguém implica a capacidade e a disposição de correr o risco de se lançar ao encontro do outro e desvendar a mais bela singularidade, como diz Roberto Carlos (69) na canção Emoções: "Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi!"


 Karine Rizzardi, psicóloga em Cascavel (PR) especialista em casais, família e em aconselhamento familiar, fez pós-graduação em Psicologia na Chicago University, em Chicago, nos Estados Unidos, e é membro da Associação Brasileira de Terapia Familiar (Abratef). E-mail: drakarinerizzardi@gmail.com

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A todos que não foram e não ligaram-Fernanda Young

"Bom, você não foi. E não ligou. A mim, só restou lamentar a sua falta de educação. Imaginando motivos possíveis. Será que você não foi porque realmente não pôde ou simplesmente não quis? Será que não ligou para não me magoar ou justamente o inverso disso? Estou confusa, claro. Achava que você iria(...) Se você tivesse ligado do celular, eu seria fria. Se tivesse ligado do trabalho, seria levemente avoada. Se a ligação caísse, eu manteria a calma.(...) Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri todas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação. Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu devia te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou. Mando esta carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, para ser sincera. No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão. Não me responda, então, mesmo que deseje. Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá. Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam? Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esqueceu de ir?"

Machado de Assis e o Xadrez

Xadrez e Leituras da Vida


“De Machado de Assis conhecemos parte
de sua vida

mas eu quero lhes dizer um pouco mais da
sua lida.

Além de poeta, romancista e contista

ele era teatrólogo, jornalista e enxadrista.” (ProfessorNelsonMS)

O segundo post da série Xadrez e Leituras da Vida apresenta a relação de Machado de Assis com o Xadrez. Este grande escritor brasileiro que nos deixou importantes composições escritas, também nos deixou suas composições para os tabuleiros de xadrez. Foi um jogador de xadrez e participou do primeiro torneio de xadrez realizado no Brasil. Mantinha contato com enxadristas e instituições afins. Jogou com grandes enxadristas da época como Artur Napoleão e João Caldas Vianna . Atuou, também, como problemista criando alguns problemas de xadrez.

Pesquisas mostram que a relação entre Machado de Assis e o jogo de xadrez se deu num intervalo de tempo de aproximadamente 36 anos (1862/1865 até 1898). Se essa relação não tivesse sido benéfica para Machado de Assis e para o xadrez, ela não teria durado tanto tempo !

A seguir são apresentadas citações que mostram Machado de Assis como enxadrista e a presença do xadrez em sua obra.

O nome de Machado de Assis recebe algumas citações relacionando-o ao xadrez :

“...Tinha aí duas distrações: a música erudita e o jogo de xadrez... “ (Machado : atual, imortal e eterno, Murilo Melo Filho - Sexto ocupante da Cadeira nº 20 na Academia Brasileira de Letras)

“Uma abertura machadiana | Aqui, jogaremos xadrez. A abertura fora do comum se justifica: os movimentos iniciais determinam o curso de uma partida e por isso na teoria enxadrística são objetos de intensa investigação. Aqui, também seremos investigadores. Uma importante característica da personalidade de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) ainda é pouco conhecida (porque pouco estudada): o inesgotável escritor, criador de alguns dos maiores clássicos de nossa literatura, foi um grande e dedicado enxadrista, habilidade peculiar que pode ter exercido uma enorme influência sobre o artista." C.S.Soares

“...Como o poeta romântico francês Alfred de Musset, Machado de Assis foi problemista e publicou vários de seus enigmas de xadrez em periódicos nas décadas de 1870 e 1880...” C.S.Soares

“Machado é citado como solucionista de problemas de xadrez em diversos números da revista Ilustração Brasileira e da Revista Musical e de Belas-Artes.” C.S.Soares

“Machado de Assis foi o primeiro solucionista da primeira secção de xadrez do Brasil ! Um problema de sua autoria foi publicado (sob o no. 10) na Illustração Brasileira e reproduzido, mais tarde, na Caissana, pág. 11. (Manual de Xadrez, Idel Becker)

DOYLE, Plínio. Machado de Assis, jogador de xadrez. In: Boletim da Sociedade dos Amigos de Machado de Assis. Rio de Janeiro, n. 1, pp. 22-23, setembro 1958.

MATHIAS, Herculano Gomes. Machado de Assis e o jogo de xadrez. In: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, Vol XIII, pp. 143-185, 1964.

Nas obras de Machado de Assis encontramos referências ao jogo de xadrez, eis algumas delas:

“Aos domingos, tinha sempre a jantar o Sr. Antunes, com quem jogava uma partida de bilhar. Tentou ensinar-lhe o xadrez, mas desanimou ao fim de cinco lições ... Das qualidades necessárias ao xadrez, Iaiá possuía as duas essenciais: olho de guia e paciência beneditina; qualidades preciosas na vida, que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, uma ganhas, outras perdidas, outras nulas. “ (Iaiá Garcia, Machado de Assis)

“Por outro lado, há proveito em irem as pessoas da minha história colaborando nela, ajudando o autor, por uma lei de solidariedade, espécie de troca de serviços, entre o enxadrista e os seus trabalhos. Se aceitas a comparação, distinguirás o rei e a dama, o bispo e o cavalo, sem que o cavalo possa fazer de torre, nem a torre de peão. Há ainda a diferença da cor, branca e preta, mas esta não tira o poder da marcha de cada peça, e afinal umas e outras podem ganhar a partida, e assim vai o mundo. Talvez conviesse pôr aqui, de quando em quando, como nas publicações do jogo, um diagrama das posições belas ou difíceis. Não havendo tabuleiro, é um grande auxílio este processo para acompanhar os lances, mas também pode ser que tenhas visão bastante para reproduzir na memória as situações diversas.” (Esaú e Jacó, Machado de Assis)

"Quando Eduardo declarou aceitar a partida de xadrez a moça sentiu que o coração lhe palpitava com mais força. Ela própria foi dispor o necessário para o jogo, não sem levantar muitas vezes os olhos para Eduardo, cujo olhar, pregado nela, exercia uma fascinação ... Mandou entrar e daí a pouco o valente jogador de xadrez aparecia à porta, com ar risonho e gesto afetuoso.” (Questão de Vaidade – conto, Machado de Assis)

"O major jogava o xadrez com Valadares; o poeta recitava versos; Elisa enchia tudo com a sua graça e as suas palavras." (História de uma Lágrima – conto, Machado de Assis) | Boa “leitura” e bom “jogo” !


Veja o que já foi publicado em Fatos e Ângulos - Blog Info sobre: Xadrez e Leituras da Vida | Xadrez
|  http://fatoseangulosbloginfo.blogspot.com/

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Festa no outro apartamento-Martha Medeiros

Anos atrás a cantora Marina compôs com o irmão dela, o poeta Antônio Cícero, uma música que dizia: "eu espero/acontecimentos/só que quando anoitece/é festa no outro apartamento". Passei minha adolescência inteira com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar, porém eu não havia sido convidada.

Até aí, nada de novo. Não há um único ser humano que já não tenha se sentido deslocado e impedido de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser. O problema está em como a gente reage a isso. A grande maioria que espera "acontecimentos" fica ligada demais na festa do vizinho, se perguntando: como fazer para ser percebido? A resposta deveria ser: percebendo-se a si mesmo. Mas é o contrário que acontece: a gente passa a se vestir como todo mundo, falar como todo mundo, pensar como todo mundo. Só então consegue passe livre: ok, agora você é um dos nossos, a casa é sua.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação tão infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias de jornal. As pessoas alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim.

É preciso amadurecer para descobrir que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro não costumam ser revelados. Pra consumo externo, todos são belos, lúcidos, íntegros, perfeitos. "Nunca conheci quem tivesse levado porrada/todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Fernando Pessoa sacando que nada é o que parece ser.

Sua solidão, sua busca por paz interior, seus poucos e leais amigos, seus livros, suas músicas, fantasias, de desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na sua biografia, e pode ser mais divertido que uma balada em algum lugar distante. Pegar carona na alegria dos outros é preguiça, e quase sempre é furada. Quer festa? Promova-a dentro do seu apartamento.

Martha Medeiros