sexta-feira, 1 de outubro de 2010

QUASE SÓ PARA ELAS






JOÃO NUNES


Especial para a Gazeta

Há uma cena crucial em Comer Rezar Amar (Eat Pray Love, Estados Unidos, 2010), assim mesmo, sem vírgulas, de Ryan Murphy, que estreia hoje em Ribeirão Preto, quando a personagem central Liz (Julia Roberts) tem o momento decisivo da sua vida (e do filme): depois de comer e rezar bastante, ela encontra um grande amor —para completar a tríade de verbos do título—, mas recusa a se entregar a ele porque não quer perder o equilíbrio conquistado. Mas, afinal, por que rezar tanto, falar tanto em amor, buscar insistentemente o homem da sua vida se, quando está prestes a conquistá-lo, não tem coragem de encarar o novo desafio? De que valeu tamanho esforço se não é para desfrutar do resultado positivo dele?

Estamos pensando em termos práticos porque a personagem baseada no best-seller autobiográfico de Elizabeth Gilbert passa duas horas e vinte minutos em busca do "homem perfeito". Ela não se contenta que eles sejam bonitos (qualquer mulher ficaria feliz ao lado de Billy Crudup e James Franco) e escapa como se deles viessem todos os males da protagonista. E se os homens não trazem felicidade, que tal se encharcar da calórica comida italiana e ficar gorda a ponto de sofrer na hora de colocar uma calça nova? Ou se despencar para a Índia, passar privações como esfregar o chão, ficar em silêncio, meditar, rezar muito, enfim, viver uma vida de tribulações?

Simples: Liz é uma mulher cheia de culpas (e de dinheiro, para poder passar um ano viajando pelo mundo) e, antes de se entregar ao "verdadeiro amor" terá de passar por todas as dificuldades do mundo, como não se importar em comer demais e ficar feiosa ou tornar-se pouco desejável com aqueles vestidinhos de chita e cabelos descuidados enquanto limpa o chão de um mosteiro —perfeita caricatura de riponga.

Bem, só depois de passar por tantos sofrimentos (ainda que comer seja uma bênção, mas engorda o que para a mulher pode ser um grande drama) é que ela estará pronta para amar. E, mesmo assim, recusa porque pode perder o equilíbrio alcançado com tanta meditação. Contradições femininas? Ou o clima desejado para prender a atenção do espectador e leitor (no caso do livro)?

Comer Rezar Amar traz uma Julia Roberts pouco inspirada. Na verdade, a atriz é bem limitada, com duas ou três expressões que definem quase tudo, mas é capaz, por exemplo, de criar intensidade e simpatia suficientes num personagem como o da fotógrafa Anna, em Closer - Perto Demais (Mike Nichols, 2004).

No novo filme, ela é a Julia Roberts de quase sempre. Atua no automático, com cara de paisagem na maior parte do tempo e muito esforço na hora de sofrer. Ela só consegue ser simpática quando se solta e dá gargalhadas como alguém que se sente à vontade no papel. Quem se destaca mesmo como intérprete é o ótimo Richard Jenkins.

Fora isso, o filme carrega as tintas nos clichês dos respectivos países por onde a personagem passa. Os italianos, por exemplo, odiaram a forma como são mostrados: falam alto, comem muito, são dominados pelas mães e passam o dia infernizando a vida de mocinhas turistas, ao som de músicas mais que batidas.

Na Índia e em Bali as coisas não são muito diferentes: gente rezando, vacas na rua, trânsito insuportável, danças, sujeira e gurus ensinando a melhor maneira de se viver. Do Brasil, a coisa tampouco fica atrás. O personagem do espanhol Javier Bardem é o brasileiro Felipe, que insiste em beijar a boca do filho. Este reclama dizendo que os brasileiros são assim. E Javier, na pele de um brasileiro, é completamente ridículo. Fala com sotaque risível e tenta encarnar um amante latino típico que ouve bossa nova de João e Bebel Gilberto —pelo menos este clichê não fere tanto o que se conhece de melhor no Exterior a respeito do País.

Não será ofensivo dizer que Comer Rezar Amar é um filme direcionado totalmente para o público feminino, assim como fitas de guerra interessa mais ao masculino e desenho animado seduz crianças. Ressalvado o estereótipo e o conteúdo possivelmente pejorativo, talvez só as mulheres (e nem todas) curtam de fato esta história de descobrimento pessoal.

O NÚMERO

8,5 Milhões de livros vendeu Elizabeth Gilbert, com seu romance autobiográfico Comer Rezar Amar.

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